(ESTADÃO) Apesar dos avanços, como a maior sofisticação da economia e aprimoramento legal, empresas têm dificuldades para reduzir endividamento
Por Cristiane Barbieri — São Paulo e Rio 10/03/2025
Embora a expectativa seja de que as empresas brasileiras continuem enfrentando dificuldades com o endividamento nos próximos anos, especialistas não preveem um colapso generalizado da economia, como ocorreu durante o governo Dilma Rousseff. Em dezembro de 2014, no fim do primeiro mandato, o endividamento das companhias menores da Bolsa era de 5,4 vezes sua geração de caixa (contra 2,7 vezes atualmente), segundo estudo feito pela assessoria de reestruturação Sêneca Evercore.
Já o índice de cobertura, que mede a capacidade das empresas de pagar seus custos financeiros, era de 0,5 naquele período ante 1,4 atualmente. Quanto maior esse índice, maior a capacidade de a empresa honrar suas despesas financeiras.
“Àquela época, tivemos dois anos consecutivos de retração no PIB, diferentemente de agora, quando temos o menor índice de desemprego da história”, diz Ricardo Lacerda, sócio do banco de investimento BR Partners. “Só aconteceria novamente se houvesse uma desaceleração súbita da economia, o que ninguém prevê.”
Além disso, dizem os especialistas, a economia brasileira se sofisticou na última década, com crescimento inédito dos mercados financeiro e de capitais. Instrumentos que permitem a tomada de crédito pelas corporações, como certificados de recebíveis e títulos de dívida, ganharam peso inexistente até então.
O levantamento da Sêneca, em cima de dados do Banco Central, mostrou que o crédito bancário respondia por 81,7% dos recursos tomados pelas empresas, em 2015. Hoje, equivale a 50,8% do total dos empréstimos concedidos. Já os títulos de dívida corporativos, que respondiam por 18,3% do crédito há dez anos, chegaram a 49,2% em dezembro.
“As empresas passaram a ter a oportunidade de trocar sua fonte de financiamento da mão de poucos para a de muitos”, diz Daniel Wainstein, sócio da Sêneca Evercore. “Hoje, a empresa consegue pagar taxas menores porque se formou uma grande comunidade de investidores em crédito no Brasil, que não existia até muito recentemente.” Essa é uma das áreas nas quais empresas como a Sêneca e outros reestruturadores de dívidas avançaram.
Ricardo Knoepfelmacher, o Ricardo K, sócio da RK Partners, afirma que os bancos também tiveram sua dose de aprendizado com as recentes crises anteriores. “Os grandes bancos que concentram o crédito corporativo criaram áreas internas de reestruturação”, diz. “Eles começaram a ser proativos em chamar as empresas para conversar, quando percebem que elas vão bater no muro se continuarem na mesma trilha.”
Segundo Ricardo K, além do mercado de capitais, o ambiente regulatório também evoluiu na última década. O mecanismo da recuperação extrajudicial passou a ser mais usado nos casos em que há o alinhamento entre devedora e credores, para evitar os custos de um pedido de proteção contra credores na Justiça. O aprimoramento da recuperação judicial, em 2021, também tornou o instrumento mais eficaz para quem tem dinheiro a receber.
Essa melhoria institucional, porém, não significa que os próximos anos serão fáceis. Segundo Lacerda, mesmo empresas que são grandes geradoras de caixa têm tido dificuldade em conseguir reduzir seu endividamento. “A situação só vai mudar quando houver uma sinalização clara de redução nas taxas de juros”, afirma. “Hoje, as empresas trabalham para pagar bancos.”
Sem possibilidade de se capitalizar via oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), com o crédito bancário caro e com fusões e aquisições restritas, as opções são limitadas. De acordo com Wainstein, os ruídos políticos têm afastado, há pelo menos dois anos, companhias estrangeiras que poderiam entrar no País fazendo aquisições de ativos − como forma de redução do endividamento de empresas locais.
Entre as 20 maiores transações de fusões e aquisições de 2023, mostra a Sêneca, quase metade (nove) foram feitas para compradores ou vendedores internacionais. Este ano, os estrangeiros fizeram apenas duas, das 20 maiores aquisições. Isso mesmo com o fato de os ativos brasileiros terem ficado mais baratos em dólar.
“Infelizmente, a gente não está fazendo uma boa propaganda no nosso País já há algum tempo”, diz Wainstein. Segundo ele, se no governo anterior a imagem do Brasil foi afetada lá fora pelo desprezo à preservação ambiental, agora o descontrole fiscal, a expectativa de juros altos e volatilidade cambial afastam interessados, sobretudo os que nunca tiveram presença no Brasil. Até mesmo a ameaça de golpe e de planos de assassinato de autoridades entram na conta. “O estrangeiro está basicamente com medo do Brasil e do momento que atravessamos”, afirma.
As incertezas trazidas pela guerra comercial promovidas por Donald Trump nas últimas semanas também não ajudam a melhorar a perspectiva dessa trajetória. “O Brasil exporta US$ 40 bilhões por ano para os EUA”, diz Ricardo K. “Se houver uma taxação grande sobre produtos agropecuários, siderúrgicos e outras commodities, vai ser uma tragédia para algumas empresas brasileiras.”
O que pode mudar o cenário, para os especialistas, tende a ser novamente o agronegócio, cuja produção deverá bater novo recorde este ano e injetará uma nova onda de recursos na economia. Bem como reformas microeconômicas aprovadas recentemente que, no longo prazo, tendem a impactar positivamente a vida das empresas. “Há trunfos, como a reforma tributária, cujos impactos não foram suficientemente estudados e comunicados”, diz Ricardo K.
Publicado no Estadão em 10/11/2025 e disponível em: https://www.estadao.com.br/economia/empresas-endividamento-dilma/
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