(Valor Econômico) Desembolsos do segmento devem ficar entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões neste ano, um patamar recorde, segundo consultorias e fundos
Por Fernanda Guimarães — De São Paulo
06/10/2023 05h04 Atualizado há uma semana Ao ocupar um espaço muitas vezes não atendido pelo sistema bancário tradicional, a indústria de gestoras especializadas em situações especiais, conhecidas como “special sits”, deve fechar o ano com desembolso entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. A estimativa foi coletada pelo Valor com consultorias e assets. A projeção é que os valores sejam recordes, diante de uma maior demanda por empresas e mais casas passando a atuar no nicho.
Os volumes investidos por essa classe de ativos ainda não são compilados pelo mercado, mas o crescimento das gestoras fez com que a Abvcap, associação que reúne os fundos de private equity e venture capital, passasse a agregar também essas casas em seu quadro de associados. O objetivo das gestoras que se uniram à entidade é defender as demandas em comum. Uma das pautas, conforme apurou o Valor, é buscar uma solução para a desconsideração do colateral de empréstimos em contexto das recuperações judiciais, questão que vem afetando algumas casas. As gestoras também começam a se organizar num grupo próprio, com a criação a Associação Brasileira de Special Situations e Litigation Finance. O movimento demonstra os holofotes que o setor passou a atrair.
Ao contrário do que pode indicar o nome que ganhou popularidade, as “special sits” não fazem apenas investimentos de empresas em dificuldade. Muitas vezes, essas gestoras, que possuem mandatos flexíveis para atuar com crédito e participação societária, por exemplo, estruturam equações de financiamento mais complexas e atuam onde não chega o crédito bancário tradicional, seja pela falta de garantias tradicionais do tomador ou até mesmo pela falta de conhecimento no ativo.
O amadurecimento desse produto no Brasil também explica os desembolsos. Nos últimos cinco anos, foi observado um aumento do número de gestoras especializadas no nicho, que mais que dobrou no período, chegando em 32 casas independentes, segundo levantamento feito pela Spectra. O número não contabiliza as instituições financeiras que atuam na área.
Daniel Wainstein, sócio da Seneca Evercore, butique focada em fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) e reestruturações, afirma que no início do ano esses fundos foram os responsáveis por injetar liquidez em muitas empresas que encontraram dificuldade de acessar crédito nos bancos. Naquele momento, as instituições financeiras estavam retraídas e os mercados de capitais, fechados, por conta da crise da Americanas. Agora, com o início do ciclo de queda de juros e a reabertura da janela de emissões de dívida, o cenário voltou à normalidade, diz. Com isso, segundo ele, há presença mais marcante de operações estruturadas, muitas vezes envolvendo companhias com menos disponibilidade de garantias.
O crescimento dessa indústria, contudo, tem se dado em um contexto difícil. Mesmo com maior procura por parte das empresas no início do ano, diante do aperto de crédito e com empresas precisando ajustar o balanço, na Farallon, por exemplo, as conversas começaram a ganhar tração apenas no segundo semestre, juntamente com o início do ciclo de corte de juros no Brasil. “No último trimestre do ano passado e no início deste ano vimos um agravamento no momento de crédito no Brasil, com os grandes bancos mais seletivos e as empresas em uma combinação de demanda por capital e fortes desafios operacionais. No início do segundo semestre, com o início do corte na taxa de juros no Brasil, vimos o humor do empresário começando a melhorar”, afirma o sócio responsável pelas operações da gestora na América Latina, Antenor Camargo. “Embora ainda seja cedo, temos visto o empresário mais focado em resolver seus problemas de estrutura de capital, o que deixa o ambiente de crédito mais atrativo para nosso perfil de investimento.”
Mesmo assim, o desembolso da Farallon neste ano caminha para ser maior do que em 2022.
O sócio da Latache Renato Azevedo diz que o caminho de amadurecimento da indústria de situações especiais ainda é longo, mas sem volta. “O que deve acontecer é vermos negociações mais sofisticadas e cada vez mais escaláveis”, afirma. Na gestora, o olhar do investimento, segundo ele, está no retorno, o que muitas vezes vem de “oportunidades menos óbvias e mais complexas”, e não necessariamente de empresas já financeiramente estressadas.
De 50 casos que chegam à mesa da gestora, apenas dois são fechados, diz Azevedo. “A margem de erro fazendo special situations é menor, temos que ser mais assertivos”, comenta. “Podem ser casos em que o cheque não é tão grande, as garantias, não tão óbvias, de empresas em regiões mais distantes. Ou mesmo de uma empresa que já passou por uma reestruturação e que segue sem crédito bancário, ou uma companhia que teve um problema reputacional.”
Para o sócio da Latache, o conceito de special sits está muito mais relacionado à flexibilidade dos mandatos. Segundo Azevedo, no ano até aqui os desembolsos da casa já somaram R$ 600 milhões, superando 2022. Alguns aportes que ficaram represados no ano passado estão saindo agora. “O ano passado foi conturbado por questões politicas, queríamos ter o resultados das eleições antes de definir os investimentos.”
O presidente da gestora Starboard, Fábio Vassel, afirma que a combinação de mercado de capitais fechado e juro alto neste ano levou mais oportunidades para a mesa, com ativos de risco mais baixo. “A safra atual de investimentos deve ser melhor que as anteriores, e com um menor risco”, diz.
Num dos fundos da gestora, criada há dez anos, há ativos do setor de energia e de infraestrutura, além de royalties musicais e projetos de “retrofit” do setor imobiliário. Dentre as operações fechadas neste ano, está a compra de 38% da parte boliviana do gasoduto Brasil-Bolívia e de fatia da termelétrica Pampa Sul.
No mercado de “special sits”, a Starboard é uma das poucas que atuam em “equity” - ela não faz crédito, apenas a injeção de capital em troca de participação acionária. “Olhamos muito a geração de caixa das empresas-alvo, a robustez do modelo de negócio e como o nosso capital vai ajudar a destravar uma situação”, diz Vassel.
Em momentos de juro mais baixo, maior competição de investidores e mercado de capitais aberto, além de aproveitar para vender ativos do portfólio, a casa pode se direcionar para alvos mais “estressados”, onde haverá mais risco e retorno proporcional. Neste ano, a casa já fez seis investimentos, depois de passar os últimos anos em processo de desinvestimento de casos já maduros da carteira.
Na Vinci SPS, a tese que mais cresceu no ano foi a de soluções de capital - na prática, crédito às companhias. “Tem sido um ano muito agitado e acabamos crescendo em empresas maiores. Os bancos ficaram mais retraídos e acabamos cobrindo esse ‘gap’ [lacuna], afirma Marcelo Mifano, que comanda a gestora, hoje pertencente à Vinci. Outra vertical que se expandiu foi a compra de precatórios, créditos tributários e litígios, com mais empresas buscando monetizar ativos “escondidos em seus balanços”, explica.
Focada na tese de “legal claims”, que nada mais é que a compra de créditos originários de disputas judiciais, a Algarve Capital estima desembolsos de R$ 700 milhões neste ano, incluindo o valor já investido e o comprometido, ante R$ 540 milhões em 2022. Daniel Cardoso, sócio da gestora, afirma que, à medida esse tipo de investimento amadurecer no Brasil, os volumes têm espaço para crescer mais. “Tem um caminho ainda a ser seguido. Esse é um produto que vem de quem tem o bolso mais fundo, mas que já começa a chegar ao varejo”, diz. Segundo ele, a tendência é que a modalidade tenha, no futuro, produtos listados na bolsa, como os fundos imobiliários.
Especializada na compra de créditos vencidos entre pequenas e médias empresas (PMEs), a BrD - Brasil Distressed viu neste ano o volume de recursos desembolsados e comprometidos dobrar, chegando em R$ 80 milhões. “Todas as teses de investimento de special sits cresceram bastante neste ano”, afirma o sócio da gestora, Marcio Fujita. Segundo ele, no início do ano se sentiu uma competição maior na hora da compra desses créditos, situação que retornou ao nível de normalidade.
“Esse é um mercado que cresceu exponencialmente nos últimos anos e que apresenta oportunidades e teses de investimento de grande retorno. E, também, muito risco, pois envolve operações complexas e de alto risco jurídico. Fora do Brasil existe um mercado trilionário. E o Brasil começa a entrar mais intensamente nesse clube”, diz Guilherme Setoguti, presidente da Associação Brasileira de Special Situations e Litigation Finance.
Publicada em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/10/06/gestoras-de-situacoes-especiais-crescem-e-comecam-a-se-organizar.ghtml
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