(O Globo) Aumento de custos de insumos importados e ambiente de incerteza fazem com que companhias optem por reduzir ou adiar investimentos
Por João Sorima Neto e Bruno Rosa — São Paulo e Rio 26/01/2025
Adiamento de investimentos, aumento de despesas para quem tem dívidas em dólar e alta nos custos de produção. Depois de um 2024 de crescimento econômico acima do esperado, essas são as agruras enfrentadas por companhias brasileiras de todos os portes no atual cenário, descrito pelos empresários como o de uma tempestade perfeita: taxa básica de juros (Selic) em 12,25% ao ano (com expectativa de chegar a 15% no fim de 2025), dólar alto (valorização de 27% no ano passado) e as incertezas em torno das contas públicas no Brasil e do novo governo de Donald Trump nos EUA. A palavra de ordem nas empresas é investir e contratar menos para atravessar as intempéries previstas para 2025.
— Além dos juros mais altos, há o nível de incerteza maior no exterior e no Brasil, o que limita decisões de consumo e investimentos, com reflexos negativos na economia e na performance das empresas. A possibilidade de tarifas (sobre importações) nos EUA pode reduzir a competitividade de produtos brasileiros no mercado americano em relação a produtos locais ou de outras origens que forem menos taxados — aponta a economista Alessandra Ribeiro, diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências.
O Assaí, uma das maiores varejistas do país, tinha previsão inicial de abrir 20 novos supermercados em 2025, mas reduziu para dez. A ideia é cortar entre R$ 650 milhões e R$ 750 milhões, mas ainda assim investir no ano algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,2 bilhão. O obejtivo agora é reduzir o endividamento. Em 2026, a varejista esperar retomar o plano de abrir 20 novas unidades em um ano.
Em comunicado ao mercado, Vitor Fagá de Almeida, vice-presidente de Finanças e de Relações com Investidores do Assaí, explicou que a decisão considerou “as recentes altas da Selic e as mudanças na expectativa da curva de juros para os próximos anos, influenciando diretamente o custo de carregamento da dívida líquida da companhia”.
‘Sem oxigênio’
Rodrigo Mello, sócio da Seneca Evercore, assessoria financeira focada em fusões e aquisições, reestruturações e mercado de capitais, observa que a alta dos juros deteriora a situação de empresas que já estavam em dificuldades e “sem oxigênio” no caixa. No ano passado, houve um aumento de 70% nos pedidos de recuperação judicial no país, segundo levantamento da Seneca.
Já o Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre) mostra que, em 2024, o total de dívidas renegociadas fora do âmbito da Justiça cresceu 385% em comparação a 2023, somando R$ 37,4 bilhões. Entre as que buscaram esse tipo de renegociação estão varejistas como Tok&Stok e Casas Bahia, a cimenteira InterCement e a petroquímica Unigel.
— O juro alto atrapalha as empresas, desde novos negócios até o passivo e os investimentos — diz Mello.
Vamos construir uma fábrica para a economia de repente entrar em recessão e ela ficar ociosa? Será que é o momento?”
— Rafael Barata, diretor de Comércio Exterior da Frescatto
O cenário fez a Frescatto Company, uma das principais indústrias do ramo de pescados do Brasil, colocar em compasso de espera a construção de uma nova fábrica na Baixada Fluminense. Rafael Barata, diretor de Comércio Exterior da empresa, avalia que o momento é de proteger o caixa e revisar planos com cautela:
— Tínhamos alguns investimentos pesados pensados para este ano, como a construção de uma nova unidade produtiva em Duque de Caxias (RJ), ao lado da nossa a atual fábrica. Resolvemos deixar parado por enquanto. Não vamos começar essa obra enquanto não tivermos clareza do que vem pela frente.
A ambição era investir em tecnologias de processamento de peixe mais modernas para ganhar produtividade, mas o executivo diz que o alto custo de capital e as incertezas não garantem o retorno. Só foram preservados os planos da Frescatto no varejo: abertura de três lojas em São Paulo e reforma de duas no Rio.
— Dada toda essa situação, vamos construir uma fábrica com capacidade produtiva maior para a economia de repente entrar em recessão e ela ficar ociosa? Será que é o momento? — questiona Barata.
Para escapar da alta do dólar, o executivo conta que tem buscado alternativas a insumos importados como o salmão. E para contornar o crédito caro, dá preferência a fornecedores que têm prazo maior para o pagamento.
Para empresas que importam muitos insumos, o câmbio nervoso dos últimos meses aflige. A Dexco (ex-Duratex), que atua em construção, reforma e decoração, ajustou para baixo seu plano de investimentos e cortou em cerca de 30% o valor previsto para o período 2021/2025, que era de R$ 2,1 bilhões.
— A alta do dólar afeta tanto os insumos quanto os custos logísticos, fatores que são muito relevantes no nosso mercado. Taxas de juros mais altas encarecem obras e investimentos em toda nossa cadeia — explica Francisco Semeraro, diretor financeiro e administrativo da Dexco.
Sem proteção cambial
Ainda que a cotação do dólar tenha dado um alívio na semana que passou, operando abaixo dos R$ 6 pela primeira vez em dois meses, a desvalorização do real por tempo prolongado preocupa porque oito em cada dez empresas atendidas pela RGF Consultoria, especializada em reestruturação de empresas, não contam com instrumentos financeiros de proteção contra variações cambiais (hedge), segundo estimativa de Rodrigo Gallegos, sócio da RGF.
— São empresas cuja gestão não considera a possibilidade de uma desvalorização repentina e forte da moeda. E a alta dos juros tem impacto direto no caixa das empresas — diz.
A Aidu, uma pequena produtora de alimentos em aerossóis, como espuma para drinques e para untar formas, em São Paulo, tem sofrido com a alta de um item abundante no Brasil: óleo de soja. Mas, como é uma commodity alimentícia, o preço é dolarizado e já subiu mais de 40% desde junho passado, conta Renato Gibertoni, fundador da empresa:
— Seguramos ao máximo, mas tivemos que repassar um aumento de 6,5% aos clientes, com margens caindo e custo de produção subindo.
Na Usaflex, que fatura mais de R$ 500 milhões com a produção de sapatos e acessórios em quatro fábricas no país, parte dos insumos químicos e até enfeites dos modelos são importados. O CEO Sergio Bocayuva diz que o novo patamar do dólar preocupa:
— Empresas químicas têm estoque de quatro a seis meses de insumos. Mas, se o dólar não cede, há repasse. A alta da moeda americana já trouxe cerca de 20% de alta de custos, e, na ponta, para o consumidor, há repasse de 2% a 3%.
Na Usaflex, conta Bocayuva, o juro alto afeta as vendas e trava a expansão das franquias de seu braço de varejo. Em 2024, com a retomada da alta dos juros, foram 34 lojas abertas, bem menos que as 50 do ano anterior.
Nosso custo aumentou e tive de repassar para os produtos. A roda da inflação está girando”
— Tarcísio Bravo Júnior, vice-presidente da Limpanno
Se o juro alto dificulta o crédito aqui, a alta do dólar assusta as empresas que tomam empréstimos no exterior. Um levantamento da consultoria Elos Ayta com 102 empresas com ações na Bolsa de São Paulo, a B3, mostra que, com a valorização do dólar apenas no quarto trimestre do ano passado, a parcela da dívida em moeda estrangeira dessas companhias passou de R$ 353 bilhões para R$ 401 bilhões.
— É uma despesa financeira “extra” de R$ 48,2 bilhões (atribuída ao câmbio) — diz Einar Rivero, CEO da consultoria Elos Ayta, que observa que as empresas também estão trocando dívidas de curto prazo por mais longas: entre 2023 e 2024 a parcela de dívida de longo prazo nas empresas não financeiras listadas na B3 subiu de 82,6% para 86,2%.
Plano só se for ‘certeiro’
A Limppano, uma das principais fabricantes de produtos de limpeza do país, investiu R$ 50 milhões em suas duas fábricas no Grande Rio em 2024. Este ano, o número ainda é indefinido, mas Tarcísio Bravo Júnior, vice-presidente da empresa, sabe que será menos. Ele diz que a combinação de dólar alto, inflação crescente e juros subindo, em meio à desconfiança gerada pela política fiscal do governo, obriga a companhia a segurar o caixa. Investimentos, ele diz, só se forem “certeiros”.
— Nossa estratégia é baixar estoques ao máximo, comprar com muita parcimônia, revisitar todas as nossas despesas, porque a frase célebre de que “o caixa é rei” é mais que verdade. É depender o mínimo possível de dinheiro de banco — diz o executivo.
Ele lembra que o planejamento estratégico atual da empresa foi feito quando o dólar estava na faixa dos R$ 5,40.
— Todos os nossos custos estão aumentando. Cada dia é uma surpresa, porque na indústria química você tem um percentual alto de produtos dolarizados ou que têm pagamento baseado no dólar. Mais de 60% dos nossas insumos estão ligados ao dólar. Isso quer dizer que o nosso custo aumentou, e obviamente eu tive de repassar para os produtos. Eu e a indústria toda. Infelizmente a roda da inflação está girando.
Os juros elevados, diz Mello, da Seneca Evercore, incentivam os empreendedores a manter o dinheiro protegido em vez de financiar novos projetos. Aplicado na renda fixa, rende 12,25% ao ano com baixo risco. Ele conta que, em negócios recentes de aquisições que assessorou, as empresas preferiram comprar outras com ações em vez de dinheiro do caixa.
Na semana passada, o dólar caiu abaixo dos R$ 6 com a ausência do “tarifaço” prometido por Trump antes da posse. Ainda assim, empresas exportadoras estão se protegendo para esse cenário. Na siderurgia, um dos setores brasileiros que mais exporta para os EUA, o temor vai além das barreiras de Trump por lá. Preocupa a possibilidade de entrada de mais aço da China no Brasil, em condições desleais de concorrência.
Para o CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, neste momento inicial é prematuro avaliar potenciais impactos. O grupo gaúcho tem a seu favor o fato de operar 14 unidades de produção de aços longos e especiais nos EUA, México e Canadá.
— Nesse contexto, as medidas tarifárias prometidas podem, inclusive, beneficiar a companhia por defender os produtores locais, ao limitar a entrada excessiva de aço importado e inibir a competição desleal no país — diz Werneck, que se diz mais preocupado com o destino do aço chinês eventualmente barrado nos EUA.
Publicado em O Globo (26/01) e disponível em https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2025/01/26/com-dolar-juros-e-trump-tempestade-perfeita-leva-empresas-a-adiar-projetos.ghtml
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